Um fenômeno
extraordinário vem tomando conta da mídia no último mês, “o povo está nas ruas
protestando”! No entanto, é necessário ir além do que a mídia mostra e tenta
nos fazer crer. É preciso analisar o fenômeno com olhos e ouvidos (ou um destes
sentidos) críticos, aqueles que aprendemos a desenvolver a partir do momento
que nos dedicamos à leitura despreconceituosa.
A rua é, historicamente, um espaço de
liberdade e de possibilidades. Espaço público de manifestação de desejos,
anseios e crenças. Espaço aberto, espaço criativo e de criatividade.
No período Medieval, entre os séculos V e
X, a ruralização promoveu um verdadeiro obscurantismo nas relações públicas. Os
muros dos feudos traziam trancados a sete chaves, os anseios e desejos
coletivos (sem contar a retração dos desejos individuais), a introspecção,
contenção e o “platonismo” eram as marcas das sociedades medievais europeias. A
retomada da vida urbana, a partir do século XI através das Feiras e do
ressurgimento do comércio, levou de volta às populações a interatividade
através das ruas.
No Brasil, a partir do período Imperial (1822-1889) e, ainda na 1ª República (1900-1930), segundo o Professor Historiador Ilmar Rohloff Mattos, haviam três ordens de Governo: o espaço do “governo da Rua” que implicava naquilo que não era condizente aos costumes da “boa sociedade”. A rua simbolizava domínio de todos, “espaço da desordem”, da pobreza, da escravidão e seus descendentes, da falta de educação e cultura refinada, enquanto o “governo da Casa” era o “espaço da ordem”, dos bons costumes e da boa educação.
Entre estes domínios – o da Casa e o da
Rua – estava o Governo. Dominado pela “boa sociedade” – elite oligárquica – o
Governo atendia às necessidades do “Governo da Casa” que pregava a necessidade
de centralização do poder, de um “braço forte” para impedir a desordem de
ampliar seu espaço de atuação. Daí a ideia conservadora de “civilização”, “de
civilidade”. Isto representava e representa concepções conservadoras de domínio
das ruas pelo governo em benefício das elites.
No mundo Moderno, de transformações
velozes e relações fluídas (lembram-se de Baumam?), no Brasil, as ruas possuem
conotações amplas: espaço de protesto; de demonstração de poder, da falta dele
e da total insegurança e incapacidade de Governo. A Rua é capaz de abrigar
desabrigados; de ser ‘out door’ dos que desejam ser celebridades, famosos
midiáticos; de desvelar o descaso com o meio ambiente urbano e com os seres
vivos urbanos – os humanos; sujeira/limpeza; imobilidade/mobilidade;
calçada/descalça(da); presença da arte/bom – mal gosto; espaço
político/despolitizado e tantos ostros espaços sem passos.
O povo (que povo?) está nas ruas
reivindicando direitos e melhorias. Mas em que espaços estão buscando a
continuidade e as mudanças de governo? A atenção precisa girar em torno da
obtenção de resultados a curto médio e longo prazos. O governo da Rua, hoje,
está nas mãos das populações reivindicantes, mas e a durabilidade deste
governo? A democracia colaborou na criação de instrumentos de governo
participativo (povo participando), mas quem está disposto a sair da rua e
continuar participando de forma legal e direta da administração da cidade e não
só da rua?
Atenção, Jovens Leitores! O espaço da
rua pode ser fluído demais, escorrer por entre os dedos e se esvair pelo
asfalto mal feito e permeável. Busque os instrumentos de participação que
efetivamente contribui para a continuidade da discussão e da tensão por
melhores serviços e melhor gestão dos recursos que governam a Rua e o Governo,
sem perder de vista a participação do Governo da Casa (sua, minha casa).
É hora de lermos as entrelinhas dos
interesses subjacentes (das elites) que buscam na ingenuidade do Governo da Rua
a necessária condição de agir e tirar proveito em benefício próprio. Sou
independente em minhas ações ou sou manipulado em benefício de grupos
elitistas? Não haveria uma manobra para enfraquecer as instituições legais já
constituídas?
O que seria mais fácil: ir para a rua
com minha bandeira em punho e cantar com a multidão frente às câmeras sedentas
por imagens impactantes, ou participar de Conselhos que discutem e encaminham
processos, projetos, sugestões e pressões ao Executivo, porém distante das
lentes enfurecidas da mídia?
Vale sempre a pena ganhar um tempo
pensando sobre estas questões e outras que certamente surgirão. Só não esqueça
de como é importante continuar lendo, lendo, lendo... Palavras escritas,
imagens, sons... Ler tudo! Só assim poderemos analisar e decidir sobre o
Governo que se quer participar: o da Casa, o da Rua, o do Governo ou de todos
estes a partir de um instrumento legal de participação popular.
As Ruas não excluem os Conselhos (e
vice-versa), pode-se participar de ambos, sem deixar de analisar interesses!
0 comentários:
Postar um comentário